segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Um dia daqueles!
Este era um dia daqueles que se acorda e não se quer levantar , quando levanta, tudo parece ter parado, sabe-se que há compromissos. A lentidão é tanta (os detalhes) que quando se percebe já se passaram 15min só na escovação diante do espelho.
Tinha marcado dermatologista, era dia de avaliar o exame da biópsia, e ver o que poderia ser feito com aquela indesejada mancha de sol que a deixava deprimida ao olhar no espelho.
Já estava atrasada. Mas os detalhes lhe chamavam atenção: um pano dependurado no prédio em reforma lembrava um navio pirata dos filmes de aventura, uma curva do prédio de Niemayer era um piano, uma música que saia de um restaurante, as cores, as pessoas, tudo parecia estar em 3D, e estava, porque a vida é 3D, nós é que não percebemos, mas sim, tem dia que a vida se encarrega de nos colocar neste lugar de pertencimento.
Tinha que andar mais de pressa, a rua era numa estrutura elevada, uma subida íngreme, teve que se esforçar mais um pouco, estava suando e com a respiração um pouco ofegante, o sol estava quente, esgueirou- se para o lado direito onde tinha uma árvore com sombra, foi quando olhou para o chão e viu um beija flor, seu movimento era mínimo com uma respiração fraquinha, pegou-o nas mãos, soprou devagarinho, conversou com ele levando-o ao rosto. Falou baixinho: vai ficar tudo bem. Mas não sabia ainda o que fazer, pensou mil coisas em instantes, o médico que não podia perder, o livro na editora, a filha de férias na casa da avó, a vida sem ajuste, a demora nas respostas, a visita a amiga que estava com câncer, como aquilo tinha mexido com seu modo de sentir o mundo, e mais, em fração de segundos, com aquele serzinho em respiração quase finda. O que será? Um desmaio, um mal estar, um descuido de um beija flor no meio da cidade?  Deu um giro em volta de si mesmo, saiu andando para trás, viu um bar. Foi entrando com as duas mãos em concha sentindo o calorzinho do corpo do beija flor desfalecido, foi aí que apareceram três crianças. Ela: Um beija flor, preciso cuidar dele. Logo um moço que estava no balcão veio já com um pouquinho de água, colocou na cabecinha dele.   Agora eram cinco cabeças voltadas para a mão em concha, ele respirava levinho e movimentava a asinha: será que ele vai ficar bem, eu tenho médico, estou atrasada, achei-o ali no chão e queria que cuidassem dele. Ele: sim vamos cuidar, depois a gente solta, as crianças ao redor só riam e olhavam admiradas. Ele: pode ir tranquila.
As crianças estenderam as mãos, ela colocou o beija flor e saiu apressada, sem pensar mais nada até chegar bem atrasada no dermatologista. Quando tudo terminou fez o mesmo caminho de volta, até o local do acontecido. Para sua surpresa estava fechado. Tinha gravado aquela cor da porta, era azul celeste, estranhou ao encontrar uma porta alaranjada. Ficou reproduzindo os movimentos, as imagens, as vozes, os olhares, se lembrou de uma coisa, o moço que estava no balcão que veio com um pouquinho de água tinha dito: sim vamos cuidar, depois a gente solta aqui no bosque, ele vai ficar bem.
Foi ao lado perguntar,  disseram que estava fechado há muito tempo, ela disse que não, que  tinha estado lá naquela manhã, contou o caso do beija flor, das crianças... Ficaram olhando desconfiados.
- Aqui não pode ter sido moça.
Ela saiu meio zonza, em direção a sua casa, precisava ler, botar as pernas para cima, depois dormir mais um pouco, foi o que fez.
Daquele dia em diante ela passava sempre neste local e estava lá a porta fechada. Até hoje ela pensa no beija flor, naquelas crianças e aquele moço generoso. Para onde será que eles voaram com seu pequeno beija flor?

Helena Soares - 28/01/2014
Cia.h3