Meu corpo dança a chuva dos ventos de primavera
O tempo em neblina cisma em olhar
Um pensamento em conta-gotas se dispersa
Busco o sorriso dentro do armário
Um anjo viu minha alma sonhar e
Teve paciência.
Do livro ``Vulnerabilidade nas asas´´ de Helena Soares
Foto de H.S
Escritas vindas de longe
“O existir já é uma escrita”.
Helena Soares veio ao mundo pelas mãos de uma parteira, na zona rural de Brasília de Minas conhecida como Macaúbas, no sertão dos Gerais, “longe de tudo… um lugar encantador que ninguém conhece”. Esta filha de agricultores relembra com saudade a vida simples daqueles tempos: “A casa era grande, com portas pesadas, e tinha um terreiro branco ao redor. Minha mãe punha a gente para dormir cedo e ficava no meio do terreiro cantando, e meu pai, que era cabeça de folião, tocava e cantava junto. Eu fingia que dormia e olhava escondido pela janela. Era encantador, e a lua brilhava sob os beijos”, diz a autora, perdendo-se em outras lembranças.
Possivelmente as sonoridades daquelas noites ecoaram como reminiscências em seus ofícios de dançarina, performer e atriz, onde o movimento e o ritmo são essenciais. “Na verdade, preciso do movimento com o corpo para funcionar bem nas coisas. Então ouço música, danço, leio em voz alta, cozinho, depois escrevo”. As letras sempre a acompanharam, enquanto mudava de cidade em cidade para estudar e encontrar outras oportunidades de expressão artística, até se estabelecer em Montes Claros, nos anos 80, onde integrou o grupo de literatura e teatro Transa Poética, participando ativamente das atividades culturais do lugar.
Alguns anos depois ela se mudou para Belo Horizonte, com a intenção de se dedicar às artes cênicas com “a escrita sempre me acompanhando, embora tenha me dedicado mais ao estudo e prática do teatro”. Estudou no Teatro Universitário da UFMG, onde entrou em contato com intelectuais, artistas e escritores. “Um deles foi meu professor, Ítalo Mudado, um apaixonado por literatura, que me apresentou Pirandello e outros autores”, configurando suas influências nas artes poéticas e nas outras também.
Caracteriza seu processo na escrita como uma sucessão entre observação e acumulação, onde ideia e informações podem ficar por dias “fluindo na cabeça, tentando se organizar…”. Embora diga não ter regras definidas, observa que costuma “… escrever e ler várias vezes para ver o que acrescento e o que tenho que cortar. Escrevo no caderno a mão, rabisco, reescrevo antes de digitar, mas, mesmo depois de digitado, ainda faço modificações. Gosto da genética da escrita”. E complementa: “vivo numa interação constante com esse lugar que me cabe, às vezes sim, às vezes não. O existir já é uma escrita”.