domingo, 12 de janeiro de 2014

Azul turquesa
Vestida de azul turquesa se sentia iluminada, poderosa, estava com determinação de cores, o azul turquesa estava impregnado na alma, a camiseta estava suada, tinha que trocar, só tinha aquela desta cor. Muitas coisas para resolver, ainda bem que é determinada, quando se propõe fazer uma coisa não tem sofrimento que a impeça, e hoje acordou com o sol. Conferiu os papéis, documentos, fez um lanche reforçado, rezou, agradeceu conferiu o endereço e saiu. A rua é longa dá tempo ver, olhar, ouvir, pensar e foi assim:
Do Tempo que estava só, mesmo tendo gente por perto, as conversas não chegavam, eram vazias, o café da manhã que ela tanto gosta tomava sozinha.
A família que nunca demostra amor, mesmo ela procurando, criando e abrindo possibilidades de afetos. O que é o amor em família? Algumas palavras são fictícias: amor, amizade, solidariedade, gentileza etc. São palavras de uma força enorme, mas, sem ação não são o que representa. Bom mesmo é rua, ela está lá e existe, com gente andando nela ou não, mesa, cadeira, casa, garrafa, xícara, céu, nuvem, coração, olhos, palavras que são sem precisar de ação devem ser feliz.
Continuou andando, no sol, contando os números 195, 196 até chegar no 2.024.
 Não tinha fila, uma recepcionista pediu para preencher uma ficha, que logo seria atendida.
-Eu posso tomar um café?
-Claro, fique a vontade.
Logo um homem se aproximou de mãos estendidas cumprimentando, e já me conduzindo a uma sala. Veio junto com ele um cheiro bom, uma cor, seus cabelos claros bem penteados, olhos verdes, semblante tranquilo, vestia uma blusa azul turquesa, uma calça cinza, tinha um olhar sereno de quem sabe ouvir.
Senti-me a vontade
-Em que posso te ajudar?
-Pois então, estou metida em uma enrascada, não sei se pode me ajudar. E foi falando contando a estória que já estava na ponta da língua. Atento, foi pegando os papéis e escrevendo.
-Vamos precisar destes documentos, eu sei o que você está passando, mas vamos resolver.
-Teve uma crise de choro estava sufocada, pediu desculpas, ele, disse: imagina, fica tranquila. Ela estava diante de um estranho e se sentia como há muito tempo não sentia: protegida, valorizada. Ele estava ali inteiro.
Quem está perto às vezes não é quem dorme com você, muito menos quem te pariu, ou é seu sangue.
Tenho pensado sobre a família e seus horrores, quanto maior mais confusões, invejas, discórdias, quando é dia de festa todos botam a melhor roupa e tiram aquelas fotos felizes e são por uns minutos, depois tem que tirar as roupas, voltar para seus esqueletos. Estava só há anos. Invisível!
O dia foi cheio.
: eu nunca tinha comprado nada, precisava de uma casa, estava grávida então comecei procurar, tinha o fundo de garantia e um pouco de dinheiro que juntei, escolhi o apartamento e uma casinha lá no jardim Canadá, o gerente do banco disse que o apartamento estava tudo ok, que eu teria que fechar logo que seria uma ótima oportunidade, sentei em uma mesa dentro da caixa econômica Federal com uma senhora de mais de 70 anos a vendedora, seu advogado e o gerente da Caixa Econômica Federal, me explicaram que estava tudo em ordem, que o formal de partilha estava ok, que no outro dia eu passaria no escritório do advogado e pegaria o documento do formal de partilha e registraria o imóvel, o dinheiro do fundo de garantia e do empréstimo ficaria retido na conta da vendedora até que o registro fosse feito, daria mais um pouco em dinheiro e assinaria no escritório do advogado um contrato de compra e venda, sim, assinei, é a Caixa Econômica, confiei, no outro dia fui ao escritório do advogado, assinei o contrato de compra e venda, paguei em dinheiro uma parte da entrada. O advogado me disse que o boy atrasou o papel não chegou, que eu ligasse durante a semana para pegar o documento, fiquei ligando, ele me enrolando, fui lá algumas vezes e nada só desculpas, quando fui ao fórum, descobri que o apartamento era embargado, o formal de partilha não tinha saído, a Dona que vendeu não tinha autorização dos filhos, e ainda tinha um menor incapaz. Aí continuou o tormento, fui à defensoria pública, e outros meios e advogados, todos me diziam que era um problema social, que eu não iria conseguir registrar, fiquei doente de depressão, perdi o emprego, parei de pagar tudo, até o condomínio. Foram 11 anos de sofrimento, agora que tudo esta em ordem, eles querem que eu assine para liberar o dinheiro para a vendedora e liberar a caixa Econômica, quem é que vai pagar minhas dívidas? E minha saúde, perdas e danos? Muitas noites sem dormir...

Fez o mesmo caminho de volta, porém, com mais pressa de colocar tudo em ordem e com um brilho de esperança na ponta do nariz. Avistou uma loja em liquidação, na vitrine um vestido chamou atenção, era azul turquesa.
Quanto custa aquele vestido?
149,00. Está na promoção.
Posso experimentar?
Só tem aquele que está no manequim, quer que tire?
Sim.
O vestido caiu-lhe feito luva.

 ( inacabado)

Helena Soares-06/07/08/01/2014
Cia.h3
teatroh3.blogspot.com

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

A luz no meio da sala

As lembranças haviam sumido, ouvia um som embaçado, era quase um silêncio, tentava decifrar coisas que aquele rumor lembrasse,
dera de uma hora para outra de só ouvir... As pessoas eram as mesmas, faziam o de sempre, se a ignoravam era comum, mas algo diferente tinha acontecido. Soprou devagar o dorso da mão, sim, havia sensibilidade. Seus olhos foram lambendo os lugares, cada detalhe lhe demorava uma vida, as sombras produziam formas que nunca tinha visto antes, sua atenção estava num estado de prontidão real e imediata, tudo seria criado a partir de agora, o mundo estava começando, e era belo, teria que acostumar com aquele rumor, aquele vazio, aquele silêncio. Não, seria diferente, não acostumaria, só assim poderia enxergar e criar tantas coisas, o prazer que sentia tudo fresco, novo, mais intenso: as cores, as formas, o gosto, o contato, os sons. Bastava mudar a direção do olhar e configurava uma nova possibilidade criativa, estava com uma satisfação tão grande e se perguntava se precisava de tantas coisas, tinha as por perto na casa, dava para vivenciar muitas vidas realizando imaginações, compunha misturando sombras e elementos reais, aqueles quadros logo eram suprimidos por outros já que os sons e a luz eram naturais e mutáveis, o dia é infinitas composições, o sol em movimento, as coisas, sim, ficavam paradas esperando estáticas pela intervenção do cosmo, um cenário perfeito.  A impressão do espetáculo, os técnicos subindo e descendo escadas, ajustando as luzes, trocando as gelatinas, afinando, suando, preparando... A diferença é que se podia interferir, interagir, acontecia de diferentes formatos, nada era definitivo, ia se fazendo, modificando de acordo com a luz que entrava na sala.
 Quase na hora do almoço ligou o rádio, estava tocando Arnaldo Antunes, ‘’A casa é sua’’. Fechou os olhos e dançou com tudo que tinha de corpo, ocupou o pequeno espaço da cozinha, engolia todas as palavras da música, a voz, tudo sensações... Dentro e fora. Ao abrir os olhos a composição anterior na sala já não era, o sol tinha subido, restava uma sombra, nem uma fresta, tudo ali parado esperando por ela e o sol, o barulho tinha mudado, agora se houve até buzinas. Lavou as mãos, catou o feijão, colocou já com tempero para cozinhar, o arroz é ensopadinho, omelete acebolado, salada de pepino descascadinho, repolho refogado e para sobremesa uma salada de frutas refrescantes, está um calor danado. As coisas foram ficando gostosas, o dia foi passando assim como quem quer cheiro no cangote até a nuvem em forma de coração virar um tubarão faminto tentando pegar um passarinho que acabou de cruzar o céu na maior tranquilidade.

Helena Soares - BH - 03\01\2014