Azul turquesa
Vestida
de azul turquesa se sentia iluminada, poderosa, estava com determinação de
cores, o azul turquesa estava impregnado na alma, a camiseta estava suada,
tinha que trocar, só tinha aquela desta cor. Muitas coisas para resolver, ainda
bem que é determinada, quando se propõe fazer uma coisa não tem sofrimento que
a impeça, e hoje acordou com o sol. Conferiu os papéis, documentos, fez um lanche
reforçado, rezou, agradeceu conferiu o endereço e saiu. A rua é longa dá tempo
ver, olhar, ouvir, pensar e foi assim:
Do Tempo
que estava só, mesmo tendo gente por perto, as conversas não chegavam, eram
vazias, o café da manhã que ela tanto gosta tomava sozinha.
A
família que nunca demostra amor, mesmo ela procurando, criando e abrindo
possibilidades de afetos. O que é o amor em família? Algumas palavras são
fictícias: amor, amizade, solidariedade, gentileza etc. São palavras de uma
força enorme, mas, sem ação não são o que representa. Bom mesmo é rua, ela está
lá e existe, com gente andando nela ou não, mesa, cadeira, casa, garrafa,
xícara, céu, nuvem, coração, olhos, palavras que são sem precisar de ação devem
ser feliz.
Continuou
andando, no sol, contando os números 195, 196 até chegar no 2.024.
Não tinha fila, uma recepcionista pediu para
preencher uma ficha, que logo seria atendida.
-Eu
posso tomar um café?
-Claro,
fique a vontade.
Logo
um homem se aproximou de mãos estendidas cumprimentando, e já me conduzindo a
uma sala. Veio junto com ele um cheiro bom, uma cor, seus cabelos claros bem
penteados, olhos verdes, semblante tranquilo, vestia uma blusa azul turquesa,
uma calça cinza, tinha um olhar sereno de quem sabe ouvir.
Senti-me
a vontade
-Em
que posso te ajudar?
-Pois
então, estou metida em uma enrascada, não sei se pode me ajudar. E foi falando
contando a estória que já estava na ponta da língua. Atento, foi pegando os
papéis e escrevendo.
-Vamos
precisar destes documentos, eu sei o que você está passando, mas vamos
resolver.
-Teve
uma crise de choro estava sufocada, pediu desculpas, ele, disse: imagina, fica
tranquila. Ela estava diante de um estranho e se sentia como há muito tempo não
sentia: protegida, valorizada. Ele estava ali inteiro.
Quem
está perto às vezes não é quem dorme com você, muito menos quem te pariu, ou é
seu sangue.
Tenho
pensado sobre a família e seus horrores, quanto maior mais confusões, invejas,
discórdias, quando é dia de festa todos botam a melhor roupa e tiram aquelas
fotos felizes e são por uns minutos, depois tem que tirar as roupas, voltar
para seus esqueletos. Estava só há anos. Invisível!
O dia
foi cheio.
: eu
nunca tinha comprado nada, precisava de uma casa, estava grávida então comecei
procurar, tinha o fundo de garantia e um pouco de dinheiro que juntei, escolhi
o apartamento e uma casinha lá no jardim Canadá, o gerente do banco disse que o
apartamento estava tudo ok, que eu teria que fechar logo que seria uma ótima
oportunidade, sentei em uma mesa dentro da caixa econômica Federal com uma
senhora de mais de 70 anos a vendedora, seu advogado e o gerente da Caixa
Econômica Federal, me explicaram que estava tudo em ordem, que o formal de
partilha estava ok, que no outro dia eu passaria no escritório do advogado e
pegaria o documento do formal de partilha e registraria o imóvel, o dinheiro do
fundo de garantia e do empréstimo ficaria retido na conta da vendedora até que
o registro fosse feito, daria mais um pouco em dinheiro e assinaria no
escritório do advogado um contrato de compra e venda, sim, assinei, é a Caixa
Econômica, confiei, no outro dia fui ao escritório do advogado, assinei o
contrato de compra e venda, paguei em dinheiro uma parte da entrada. O advogado
me disse que o boy atrasou o papel não chegou, que eu ligasse durante a semana
para pegar o documento, fiquei ligando, ele me enrolando, fui lá algumas vezes
e nada só desculpas, quando fui ao fórum, descobri que o apartamento era
embargado, o formal de partilha não tinha saído, a Dona que vendeu não tinha
autorização dos filhos, e ainda tinha um menor incapaz. Aí continuou o tormento,
fui à defensoria pública, e outros meios e advogados, todos me diziam que era
um problema social, que eu não iria conseguir registrar, fiquei doente de
depressão, perdi o emprego, parei de pagar tudo, até o condomínio. Foram 11
anos de sofrimento, agora que tudo esta em ordem, eles querem que eu assine
para liberar o dinheiro para a vendedora e liberar a caixa Econômica, quem é
que vai pagar minhas dívidas? E minha saúde, perdas e danos? Muitas noites sem
dormir...
Fez o
mesmo caminho de volta, porém, com mais pressa de colocar tudo em ordem e com
um brilho de esperança na ponta do nariz. Avistou uma loja em liquidação, na
vitrine um vestido chamou atenção, era azul turquesa.
Quanto
custa aquele vestido?
149,00.
Está na promoção.
Posso
experimentar?
Só tem
aquele que está no manequim, quer que tire?
Sim.
O
vestido caiu-lhe feito luva.
(
inacabado)
Helena
Soares-06/07/08/01/2014
Cia.h3
teatroh3.blogspot.com