sexta-feira, 4 de junho de 2010

Infrutescência: Conjunto frutífero resultante de várias flores.




“Infrutescência” também é o título do livro de poemas de Helena Soares que deu origem no roteiro  para criação de um espetáculo teatral de mesmo nome. A obra e seus versos são construções poéticas que contém a força, a cultura, a história e a vida suada do povo de Minas Gerais e do povo do cerrado  brasileiro.

O espetáculo “Infrutescência” faz um paralelo entre as linguagens do sertão mineiro e do caos urbano, através de sons, palavras e objetos, buscando musicalidade, poesia e afinidades culturais existente entre as mineirices da duas realidades distintas. O espetáculo é resultado de uma pesquisa da linguagem performática, utilizando recursos audivisuaisl e do teatro de formas animadas para apresentar o universo do norte mineiro a partir de uma mulher que se reinventa ao ganhar um livro.  No texto, Helena fala da mulher contemporânea e suas inquietações, seus desejos, sonhos e dúvidas, seja ela urbana ou sertaneja. As duas obras fazem um mergulho no sertão mineiro trazendo à tona imagens, sentimentos, fragmentos de memórias vividas e observadas pela autora. Ruminando inquietações, ela diz: ‘‘A palavra não é só a grafia, é antes o desejo de ser, de existir’’. O espetáculo ‘’Infrutescência’’ revela em cena a poesia de personagens que dialogam com o espaço/tempo. Cada personagem sugere uma reflexão ao passo em que se aproxima e distancia o mundo urbano do mundo do sertão.















Do Livro ´´Infrutescência´´ de helena soares

Anjo

Sem falar de mim sendo eu {quase nós}
Com essa consciência de amolar faca
Esse nariz farejando olhares furtivos
Boca {Lábios em direção desejados}
Mãos {dedos massageando palavras} soltando papagaios {outras línguas}
Beijo em qualquer lugar do corpo ou mesmo na alma alivia {acalma}
Essa fúria____________ ânsia no vazio do espaço imperfeito
Torto anjo de barro tonto  
Manipulado amassado {admirado de mãos em pés} até orações
Esse estado emudece {dilacera}
Esse dia que traz lembranças

Nem um amor de verdade

Nem um beijo de tirar o fôlego

O anjo caiu e quebrou

                                             _________________________________________________________________


Silêncio_____ ouvidos em busca de ar  Um corpo contor________  Cendo  formas  Cores  hormônios variáveis  Humores  Rumores  Suor  som de mar
Pios  pilares  vácuo no abismo do silêncio   Tátil a sensação de escutar  Mar ainda o corpo de escama  Põe-se a respirar  Essa sereia carrego fora d'água em ombros que guardo caudas enormes  Voz que quer cantar  Bonitos moços na beira do mar beijar  É nessa água que me contenho   contor________ So_______u de azul e estrelas   Tua__________  Decifra-me

 

 De mim mesma

Meu coração reclama o que me separa dos que amo de verdade
Deus me deu treze irmãos vivos
Alguns se foram e os que ficaram... Um abraço sufocado no peito grita esse amor que não se concretiza  Nem de perto  Nem de longe
Oito mulheres e cinco homens  mais um que minha mãe pegou para criar

Mangas maduras comidas no pé
Horas sem contar no relógio ouvindo o murmúrio do vento nas folhas
Visto de longe o gado rumina o pasto de minha alma
Brancos no sol de fazer pensamentos
O arrozal dança e convida para a vida
Leio livros de ouro nas asas dos mil pássaros
A respiração esvai-se num único e harmonioso tom musical
Sussurro do universo querendo-me inteira para realizar sonhos

 Busco

A palavra habita minha existência
Penso nela como um amor platônico
Fico horas a pão e água imersa neste universo sutil
_____________________________________________mágico
Desfiles em saias rodadas
Vestidos decotados em lânguidos corpos de significados exóticos
Respiração profunda
Um peixe nada tranqüilo no líquido amniótico
Meu útero se parte multiplicando a beleza {saudando a vida}
Uma flor de perfume nunca sentido antes
Um amor sem fronteiras querendo encontrar sua metade imperfeita
Pequenos frascos
Febril
Feérico
Fecundo
Procura-se


 __________________________________________________________

Ruminar não é coisa só de Gado...
Prato de comida na mão
 Olhos fixos no tempo de ninguém
Se pensava ou só ruminava?
A boca mexia mobilizando um conjunto de músculos autômatos
Uma tristeza de ser aquilo que se era...
Se alimentava ou só comia?
Olhando era um réptil desses pré-históricos
Sem interesse pela vida moderna
Se vivia ou só estava viva?
Cansada de ruir 
Uma pessoa roendo a vida

__________________________________________________________________

Essa vontade de saber Esse tempo que passa___________leva os dias contados marcados em relógios de parede  Esse mel que lubrifica a garganta  Esse suspiro que sai do fundo do peito em êxtase extremo  Essa cara que tenho modifica sem que percebam  Esse dia que eu não sou eu  Essas fotos que  estou alegre  se triste sorrindo assim mesmo pra não ficar feio  Esse jeito de viver que não muda  Essa boneca esquartejada cabeça quebrada braços  pernas perdidos na caixa de brinquedos  Esse quebra cabeça interminável  Mudo de fazer dó  música  poesia  cinema:Esse sonho vagaroso que corroe entranhas  Essa visita na morada dos rins  Coração que fosse não aguentaria tanta emoção  Esse eu perverso de sentimentos e palavras em uma só letra H



Nada
   O que não mais é e tem que ser
O que não se quer e é seu
                     O que deixou de existir e não se foi
           A solidão


                             Ventre
Consciência de existir com choro e reclamação
Pratos  Panelas
Brinquedos no chão
Em toda parte você
Fragmentos  Fotos  Quimera
Casa marido filha e eu?

Dias de chuva   Dias de sol

Passeios    Trepidações
A vida anda...

 

Paciência

Adivinhar linhas das mãos...

Evidenciar o caos...
Morder as partes moles da boca...
Revirar os olhos...
Formigar  língua pés  orelhas...
Esperar passar o feriado
Amolecer o corpo...
Cuspir sangue...
Respirar as horas...
Frio nos pés!
Músicas vindas de fora
Teto baixo  cor suja  dores na alma
Ventre de aço
Os sapos não cantam sem água
Nem nós
Vozes ecoam do rádio
Do jornal letras
De mim sombras!
Nada nada  nada
Nem eu nem tu nem nós...só
Infinito deserto...
Unhas em crescimento
Cabelos grandes... Miolo
Falta memória é tristeza!
Nada nada nada...

 helena soares

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Aula de iniciação teatral na Cia.Acômica de portas abertas para a comunidade. Prof: Helena Soares.

  
Início do túnel___________ Luzes___________ estamos caminhando ainda, não terá final.
Primeiro a curiosidade, o burburinho aquecido das novidades.
Estamos nos apresentando. Somos somente qualidades. Os defeitos virão à tona.
Nomes, rostos, mãos, pés, vozes, tamanhos, cores, cabelos, tudo diferente.
Um poema é lido quando um cordão colorido nos une em costura de nomes e silêncios até formar uma rede de contatos, qualquer movimento transmite vibrações comunicativas.

Nome, qualidade, objetivo. A voz quase não sai.  Olhar ainda tímido, outros exagerados mostram que são expressivos e esbanjam expressões com largos gestos.
Alguns querem ser estrelas, outros conhecer mais sobre teatro.

No primeiro momento temos uma sala cheia com 26 pessoas, no decorrer dos dias alguns faltam e outros chegam. Muita energia.
A arte de criar é inerente ao ser humano, ele precisa de um espaço para mostrar seus experimentos, ser visto, aplaudido pelo outro da sua espécie.

Exercícios de entrosamento. Muitas manifestações de alegria. Jogos, movimentos em grupo e individual, cenas, vão mostrando as facilidades e dificuldades de cada um. Como se conter neste turbilhão de impulsos criativos? Todos querem falar, mostrar seu movimento, sua cara, seu canto.

Primeiro sem fala, vamos deixar a fisicalidade aparecer. Impaciência, gestos de fácil comunicação. Há necessidade de ser entendido imediatamente. Os questionamentos, as curiosidades.

Exercícios sensoriais. O outro já existe enormemente e me reflete, posso sentir a densidade do ar, meus pés sentem o chão que piso, vejo com mais detalhes, estou mais receptivo com o outro, posso trocar mais suavemente. Estamos mais abertos.

Jogos, improvisos, cenas. Eu posso falar. As possibilidades foram ampliadas, a visão das composições, a exploração do espaço, o que o outro representa o que eu represento,
Conjunto de informações para corpo e mente ____________ diálogos com a natureza simbiótica do ser e sua habilidade natural___________ A criação.


Helena soares, Atriz, poeta e professora de teatro
BH, 28 de junho 2010












Manoel de Barros
Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas.
dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que as dos mísseis.
Tenho em mim esse atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor os meus silêncios."




sexta-feira, 30 de abril de 2010

Teatro faz bem para a saúde do planeta.







“Eu mudo de idéia, eu não afirmo nada,
tudo pode mudar de uma hora pra outra (...).
Eu disse que as coisas são de um jeito
mas podem ser diferentes.”

                     Amir Haddad
Grupo de teatro: Tá na rua.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Nasci de Parteira

Helena Soares -2010

Nasci de parteira. Foi na fazenda Macaúbas município de Brasília de Minas. Meu pai era de um grupo de folia, época de festas, passávamos todo o mês visitando lapinhas.
Toda casa que chegava, cantavam a música que pede licença para entrar.
Meu pai comprou outra fazenda e mudamos em carros de boi, uns oito cantando de tão pesados. Eu brincava com bonecas de pano feitas pela mamãe, brinquei muito, arrumávamos nossas casinhas na sombra dos pés de romãs. Tenho muitas irmãs. Comecei estudar em uma escola rural perto de casa, a sala era pequena, a professora dava aula no mesmo horário para a primeira, segunda e terceira série.
Eu ouvia rádio, adorava música. O terreiro era grande e limpo, quando a lua brilhava colocávamos as cadeiras no centro do terreiro, papai tocava violão e cantava com mamãe. ´´Não há oh gente, oh não luar como esse do sertão.´´Depois fui estudar na cidade, li o Admirável Mundo Novo, estudei no conservatório Lorenzo Fernandes, teatro e educação artística, escrevi poesia, fiz parte de grupos de teatro, escutei Cazuza e Raul Seixas, li Nelson Rodrigues, interpretei personagem de Jean Genet, fiz aula com Geraldo Vidigal, assisti Gerald Thomas, casei-me com um negro, tive uma filha, publiquei um livro. Meu umbigo está solto no mundo. Sou livre posso fazer escolhas.
O teatro me trouxe o sentido da vida, os fragmentos, o lugar de ver de cima e o lugar de ver de baixo. Me mostrou um mundo mais possível, o de verdade. Foi uma escolha. ´ ´´Porque será que cuidam de você? Boa pergunta´´. Nunca tive isto, e olha que sou canceriana, sofri muito por que tive que sair de casa muito cedo, tinha que estudar, meu pai sempre fez questão, colégio e datilografia.
Gostava de ler, de sair com os amigos, recebi várias serenatas no meio da noite.
Quando cheguei em Belo Horizonte chovia, fazia um friozinho, a cidade estava com neblina meio embaçada. Achei lindo me senti confortável. Vim estudar teatro, a turma do meu grupo de teatro lá de montes claros já estava aqui, eu vim um ano depois, muitas coisas tinham mudado, depois foi a moradia estudantil Borges da Costa, ai começaram as performances, era teatro de dia, de noite. Todos os estudantes vinham nos ver na lavanderia, nos corredores, na piscina de cimento batido, respirávamos arte. Vivi intensamente, mais que isso, fiquei fascinada, me envolvi como uma criança. Tive certeza que era isso que eu queria, que eu era artista.

BH 28/01/2010 helena soares
Dando linha...

De helena soares
BH 2010/Janeiro

Diferente dos outros; Quatro furinhos no meio de um por de sol, ou melhor, casamento de raposa ainda sol e chuva.
Delicado, amoroso, seguro de si, macio e circular, cheira esses perfumes bons de missa de domingo cedo. Manda beijos fazendo biquinho e pensa que gente é fruta de comer de madrugada. Ah! Gosta do assovio dos passarinhos. ‘’As coisas acontecem indiretamente. Elas vêm de um lado. Eu juraria que esse lado era o lado esquerdo (me dou melhor com meu lado esquerdo)´´ Por isso me movo, canto, danço o dia todo com esse meu lado, pra agradar, fazer rir, sabe? Mas o que eu queria mesmo era experimentar o sabor que gente tem.
``Como eu ia dizendo, foi Deus que me inventou,´´ eu só fico tentando agradar mesmo, porque dizem por aí que gente gosta de agrados, sabe? Eu sou louco para experimentar gente... Estufa o peito soltando o ar que acabara de respirar, seus olhos castanhos vão de encontro ao céu onde já escuro está, e bem na sua frente alguém lhe sorri.
- E aí, todo dia te vejo passar, tão bonita...
- Eu sou um pouco parecida com você, só muda a cor, tem importância sim. Eu sou preta, tenho quatro furinhos também, mas eu gosto de dançar, quando chove xixixixixiblaaa, pimpõe, dabadaaaaaa...Eu pulo, me torço toda, fico de bem com a vida e nem penso em comer gente.Coisa de quem não dança.
Um outro que estava do lado se arrisca e entra na conversa.
- ´´O senhor há de rir-se de mim, mas por que não serei eu?´´ E olha, que eu também gosto de dançar, isso não me impede de dormir mais tarde. É a noite que como, eles estão todos ou quase todos dormindo. Eu chego de mansinho com um óleo cheiroso, passo no pé daquele que eu escolho, faço uma massagem, ele relaxa e aí eu como e não me faz mal, fico saciado o dia todo, ando, ando, ando até chegar o por do sol que é a hora da canção e eu saio dali para saborear o beijo. Outra vai logo se encostando a ele com o corpo formigando para o desmaio.
- Eco! Você está pálida, o que foi?
- Eu sou assim mesmo, eu só tenho dois furos, mas eu beijo bem, ninguém nunca reclamou não.
- Então cala a boca e beija.Sssssshhmamamak.
-Nossa você tem uma coisa diferente das outras.
Claro eu sou vermelha e como gente também, todos se apaixonam por mim, é tão bom tenho quem beijar sempre. Eu gosto tanto... Por mim só existia beijo mais nada.
- Então vamos beijar mais, gostei, sssstrup.ssssstrup.
Brimmmmmmmm. Alô, liga depois estou beijando agora. Ploft.
-Brimmmmmmmmm, brimmmmmmm
- Êi, deixa tocar, vamos continuar, qual é?
-Eu gosto de variar.
Helena Soares BH-2010

Correu até a Janela

Texto de helena soares
BH- 2010 / Janeiro


Correu até a janela e olhou longe, até o sonho chegar mansinho com cheiro de cítricos. Então viveu de novo a sensação do parto.
- Eu vim junto ao vento, sou flexível, gosto de observar, tenho já na minha forma física uma suavidade até na minha cor, olha só, rosa, respiro super bem.
...´´E foi bem aqui comigo que pensei ( Perai que você vai ver só) ( Perai que você vai ver ainda).´´ Eu trago dentro dos meus furinhos muitas ferramentas, dessas de tecer origens, línguas é isso, eu não digo dessa de carne e sim a outra feita com letras depois palavras, sei lá nem precisava, mas é bem capaz de ser muito útil, depois de uma tempestade, serra elétrica no ouvido, dzzzzzzzzzzzzzdrrrrrrrrrr, só se entende com...
Olhei o buraco na parede e vi a cor amarela, pensei que talvez fosse possível todas as dúvidas que me torturavam, entrei no primeiro redemoinho que encontrei e dei sorte por que veio lambendo tudo que enxergava pela frente e assim eu pude fazer muitas amizades, alguns queriam compromisso sérios, mas aí a serra elétrica voltou com força e o cachorro latiu muito, ainda bem por que eu já estava me entregando e não posso, eu gosto de viver, ser livre.
De repente pensei com desesperada melancolia, nos instantes que havíamos passado naqueles rodopios ululantes em busca de que?
Pode até ser uma memória, lembrança...
Estou neste momento escrevendo a minha sensacional estória de vida, é, o que não está registrado não existe, por isso a importância... Estava no meio do quarto, em pé, banhada por um suor frio, me dei conta que as horas passavam, pois não ouvia mais a serra elétrica. Comecei cantarolar uma música. Lembrei-me de que não merecia seu amor, porque estava condenada a morrer na solidão absoluta. Não queria falar sobre isso. Foi legal a viagem no redemoinho e tal, mas a vida continua, tenho que pagar contas, tomar conta do bichinho de estimação, essas coisas comuns que todo mundo faz. Sonhar é tão bom... Sei lá, esse vazio no peito, esse cachorro que não para de latir, esse lamento de luz pela fresta da parede, as flores roxas, uns copos alaranjados pra despertar o B, as letras, depois as palavras... Bem que queria estar neste movimento rotativo que absorve, respira, gira, dá, toma só pra viver mais e conhecer o que tem dentro dos outros e de mim mesma, por que as letras...´´Pra que sirvo eu, eu sozinha?´´ Vou te falar, viver é muito bom, é um presente é um sonho, a realidade também tem seus encantos, agora por exemplo vou tomar um café, eu gosto forte, o cheiro me deixa exitada, não tem explicação, nem precisa, cada um é cada um, eu gosto de experimentar aquilo que me toca pelo cheiro. Já vivi muitas aventuras, trago-as comigo pelo cheiro.
Já está suave a luz na janela, vou ter que...

BH 2010 - helena soares