segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Nasci de Parteira

Helena Soares -2010

Nasci de parteira. Foi na fazenda Macaúbas município de Brasília de Minas. Meu pai era de um grupo de folia, época de festas, passávamos todo o mês visitando lapinhas.
Toda casa que chegava, cantavam a música que pede licença para entrar.
Meu pai comprou outra fazenda e mudamos em carros de boi, uns oito cantando de tão pesados. Eu brincava com bonecas de pano feitas pela mamãe, brinquei muito, arrumávamos nossas casinhas na sombra dos pés de romãs. Tenho muitas irmãs. Comecei estudar em uma escola rural perto de casa, a sala era pequena, a professora dava aula no mesmo horário para a primeira, segunda e terceira série.
Eu ouvia rádio, adorava música. O terreiro era grande e limpo, quando a lua brilhava colocávamos as cadeiras no centro do terreiro, papai tocava violão e cantava com mamãe. ´´Não há oh gente, oh não luar como esse do sertão.´´Depois fui estudar na cidade, li o Admirável Mundo Novo, estudei no conservatório Lorenzo Fernandes, teatro e educação artística, escrevi poesia, fiz parte de grupos de teatro, escutei Cazuza e Raul Seixas, li Nelson Rodrigues, interpretei personagem de Jean Genet, fiz aula com Geraldo Vidigal, assisti Gerald Thomas, casei-me com um negro, tive uma filha, publiquei um livro. Meu umbigo está solto no mundo. Sou livre posso fazer escolhas.
O teatro me trouxe o sentido da vida, os fragmentos, o lugar de ver de cima e o lugar de ver de baixo. Me mostrou um mundo mais possível, o de verdade. Foi uma escolha. ´ ´´Porque será que cuidam de você? Boa pergunta´´. Nunca tive isto, e olha que sou canceriana, sofri muito por que tive que sair de casa muito cedo, tinha que estudar, meu pai sempre fez questão, colégio e datilografia.
Gostava de ler, de sair com os amigos, recebi várias serenatas no meio da noite.
Quando cheguei em Belo Horizonte chovia, fazia um friozinho, a cidade estava com neblina meio embaçada. Achei lindo me senti confortável. Vim estudar teatro, a turma do meu grupo de teatro lá de montes claros já estava aqui, eu vim um ano depois, muitas coisas tinham mudado, depois foi a moradia estudantil Borges da Costa, ai começaram as performances, era teatro de dia, de noite. Todos os estudantes vinham nos ver na lavanderia, nos corredores, na piscina de cimento batido, respirávamos arte. Vivi intensamente, mais que isso, fiquei fascinada, me envolvi como uma criança. Tive certeza que era isso que eu queria, que eu era artista.

BH 28/01/2010 helena soares
Dando linha...

De helena soares
BH 2010/Janeiro

Diferente dos outros; Quatro furinhos no meio de um por de sol, ou melhor, casamento de raposa ainda sol e chuva.
Delicado, amoroso, seguro de si, macio e circular, cheira esses perfumes bons de missa de domingo cedo. Manda beijos fazendo biquinho e pensa que gente é fruta de comer de madrugada. Ah! Gosta do assovio dos passarinhos. ‘’As coisas acontecem indiretamente. Elas vêm de um lado. Eu juraria que esse lado era o lado esquerdo (me dou melhor com meu lado esquerdo)´´ Por isso me movo, canto, danço o dia todo com esse meu lado, pra agradar, fazer rir, sabe? Mas o que eu queria mesmo era experimentar o sabor que gente tem.
``Como eu ia dizendo, foi Deus que me inventou,´´ eu só fico tentando agradar mesmo, porque dizem por aí que gente gosta de agrados, sabe? Eu sou louco para experimentar gente... Estufa o peito soltando o ar que acabara de respirar, seus olhos castanhos vão de encontro ao céu onde já escuro está, e bem na sua frente alguém lhe sorri.
- E aí, todo dia te vejo passar, tão bonita...
- Eu sou um pouco parecida com você, só muda a cor, tem importância sim. Eu sou preta, tenho quatro furinhos também, mas eu gosto de dançar, quando chove xixixixixiblaaa, pimpõe, dabadaaaaaa...Eu pulo, me torço toda, fico de bem com a vida e nem penso em comer gente.Coisa de quem não dança.
Um outro que estava do lado se arrisca e entra na conversa.
- ´´O senhor há de rir-se de mim, mas por que não serei eu?´´ E olha, que eu também gosto de dançar, isso não me impede de dormir mais tarde. É a noite que como, eles estão todos ou quase todos dormindo. Eu chego de mansinho com um óleo cheiroso, passo no pé daquele que eu escolho, faço uma massagem, ele relaxa e aí eu como e não me faz mal, fico saciado o dia todo, ando, ando, ando até chegar o por do sol que é a hora da canção e eu saio dali para saborear o beijo. Outra vai logo se encostando a ele com o corpo formigando para o desmaio.
- Eco! Você está pálida, o que foi?
- Eu sou assim mesmo, eu só tenho dois furos, mas eu beijo bem, ninguém nunca reclamou não.
- Então cala a boca e beija.Sssssshhmamamak.
-Nossa você tem uma coisa diferente das outras.
Claro eu sou vermelha e como gente também, todos se apaixonam por mim, é tão bom tenho quem beijar sempre. Eu gosto tanto... Por mim só existia beijo mais nada.
- Então vamos beijar mais, gostei, sssstrup.ssssstrup.
Brimmmmmmmm. Alô, liga depois estou beijando agora. Ploft.
-Brimmmmmmmmm, brimmmmmmm
- Êi, deixa tocar, vamos continuar, qual é?
-Eu gosto de variar.
Helena Soares BH-2010

Correu até a Janela

Texto de helena soares
BH- 2010 / Janeiro


Correu até a janela e olhou longe, até o sonho chegar mansinho com cheiro de cítricos. Então viveu de novo a sensação do parto.
- Eu vim junto ao vento, sou flexível, gosto de observar, tenho já na minha forma física uma suavidade até na minha cor, olha só, rosa, respiro super bem.
...´´E foi bem aqui comigo que pensei ( Perai que você vai ver só) ( Perai que você vai ver ainda).´´ Eu trago dentro dos meus furinhos muitas ferramentas, dessas de tecer origens, línguas é isso, eu não digo dessa de carne e sim a outra feita com letras depois palavras, sei lá nem precisava, mas é bem capaz de ser muito útil, depois de uma tempestade, serra elétrica no ouvido, dzzzzzzzzzzzzzdrrrrrrrrrr, só se entende com...
Olhei o buraco na parede e vi a cor amarela, pensei que talvez fosse possível todas as dúvidas que me torturavam, entrei no primeiro redemoinho que encontrei e dei sorte por que veio lambendo tudo que enxergava pela frente e assim eu pude fazer muitas amizades, alguns queriam compromisso sérios, mas aí a serra elétrica voltou com força e o cachorro latiu muito, ainda bem por que eu já estava me entregando e não posso, eu gosto de viver, ser livre.
De repente pensei com desesperada melancolia, nos instantes que havíamos passado naqueles rodopios ululantes em busca de que?
Pode até ser uma memória, lembrança...
Estou neste momento escrevendo a minha sensacional estória de vida, é, o que não está registrado não existe, por isso a importância... Estava no meio do quarto, em pé, banhada por um suor frio, me dei conta que as horas passavam, pois não ouvia mais a serra elétrica. Comecei cantarolar uma música. Lembrei-me de que não merecia seu amor, porque estava condenada a morrer na solidão absoluta. Não queria falar sobre isso. Foi legal a viagem no redemoinho e tal, mas a vida continua, tenho que pagar contas, tomar conta do bichinho de estimação, essas coisas comuns que todo mundo faz. Sonhar é tão bom... Sei lá, esse vazio no peito, esse cachorro que não para de latir, esse lamento de luz pela fresta da parede, as flores roxas, uns copos alaranjados pra despertar o B, as letras, depois as palavras... Bem que queria estar neste movimento rotativo que absorve, respira, gira, dá, toma só pra viver mais e conhecer o que tem dentro dos outros e de mim mesma, por que as letras...´´Pra que sirvo eu, eu sozinha?´´ Vou te falar, viver é muito bom, é um presente é um sonho, a realidade também tem seus encantos, agora por exemplo vou tomar um café, eu gosto forte, o cheiro me deixa exitada, não tem explicação, nem precisa, cada um é cada um, eu gosto de experimentar aquilo que me toca pelo cheiro. Já vivi muitas aventuras, trago-as comigo pelo cheiro.
Já está suave a luz na janela, vou ter que...

BH 2010 - helena soares