A luz no meio da sala
As lembranças haviam sumido, ouvia um som embaçado, era
quase um silêncio, tentava decifrar coisas que aquele rumor lembrasse,
dera de uma hora para outra de só ouvir... As pessoas eram
as mesmas, faziam o de sempre, se a ignoravam era comum, mas algo diferente tinha
acontecido. Soprou devagar o dorso da mão, sim, havia sensibilidade. Seus olhos
foram lambendo os lugares, cada detalhe lhe demorava uma vida, as sombras
produziam formas que nunca tinha visto antes, sua atenção estava num estado de
prontidão real e imediata, tudo seria criado a partir de agora, o mundo estava
começando, e era belo, teria que acostumar com aquele rumor, aquele vazio,
aquele silêncio. Não, seria diferente, não acostumaria, só assim poderia
enxergar e criar tantas coisas, o prazer que sentia tudo fresco, novo, mais
intenso: as cores, as formas, o gosto, o contato, os sons. Bastava mudar a
direção do olhar e configurava uma nova possibilidade criativa, estava com uma
satisfação tão grande e se perguntava se precisava de tantas coisas, tinha as
por perto na casa, dava para vivenciar muitas vidas realizando imaginações, compunha
misturando sombras e elementos reais, aqueles quadros logo eram suprimidos por
outros já que os sons e a luz eram naturais e mutáveis, o dia é infinitas
composições, o sol em movimento, as coisas, sim, ficavam paradas esperando
estáticas pela intervenção do cosmo, um cenário perfeito. A impressão do espetáculo, os técnicos
subindo e descendo escadas, ajustando as luzes, trocando as gelatinas,
afinando, suando, preparando... A diferença é que se podia interferir, interagir,
acontecia de diferentes formatos, nada era definitivo, ia se fazendo,
modificando de acordo com a luz que entrava na sala.
Quase na hora do
almoço ligou o rádio, estava tocando Arnaldo Antunes, ‘’A casa é sua’’. Fechou
os olhos e dançou com tudo que tinha de corpo, ocupou o pequeno espaço da
cozinha, engolia todas as palavras da música, a voz, tudo sensações... Dentro e
fora. Ao abrir os olhos a composição anterior na sala já não era, o sol tinha
subido, restava uma sombra, nem uma fresta, tudo ali parado esperando por ela e
o sol, o barulho tinha mudado, agora se houve até buzinas. Lavou as mãos, catou
o feijão, colocou já com tempero para cozinhar, o arroz é ensopadinho, omelete
acebolado, salada de pepino descascadinho, repolho refogado e para sobremesa
uma salada de frutas refrescantes, está um calor danado. As coisas foram
ficando gostosas, o dia foi passando assim como quem quer cheiro no cangote até
a nuvem em forma de coração virar um tubarão faminto tentando pegar um passarinho
que acabou de cruzar o céu na maior tranquilidade.
Helena Soares - BH - 03\01\2014
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